quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O Anglicanismo (e a Diocese do Recife) Como IGREJA


Chamamos a atenção para o fato de que os sociólogos da religião, ao classificarem uma denominação como Igreja destacam um núcleo central caracterizador e convergente. Isso tem a ver com a clássica visão: “No essencial, unidade; no secundário, diversidade; em tudo, caridade”. A crise por que passa o Anglicanismo (e outros ramos do Cristianismo) reside no ataque ou na negação a esse núcleo central caracterizador. Para o liberalismo pós-moderno revisionista não haveria essenciais, tudo seria acidental (e, como tal, relativo), e que deveríamos todos viver a “caridade” dessa diversidade, sem verdades, doutrinas, espiritualidade ou ética com pretensão de verdade absoluta revelada.

Esse núcleo central tem, para nós, fontes objetivas. Em primeiro lugar as Sagradas Escrituras, e, em segundo lugar, a “fé da Igreja”, “mente da Igreja”, ou “consenso dos fiéis”, representada pela herança católica: Credo Apostólico, Credo Niceno, Credo Atanasiano, pensamentos convergentes entre si e convergentes com as Escrituras por parte dos Pais Apostólicos, dos Pais da Igreja e das decisões dos Concílios da Igreja Indivisa; e pela herança protestante: pontos convergentes entre si e com as Escrituras do pensamento dos reformadores e das Confissões de Fé reformadas. No caso particular do Anglicanismo, acrescente-se: o Livro de Oração Comum, de 1662, especialmente os XXXIX Artigos de Religião e o Ordinal, o pensamento de Cranmer e Hooker, o Quadrilátero e as Resoluções das Conferências de Lambeth. Essa herança tem sido mantida e atualizada, dentre os evangélicos, por pensadores como C.S.Lewis, Stott, Packer, Greene, e tantos outros.

Para os liberais toda essa rica herança é reduzida a “documentos históricos”, sem valor docente e autoritativo.

Mas, essas fontes objetivas apontam para um conteúdo: a pecaminosidade universal, a Santíssima Trindade, as duas naturezas de Cristo, sua encarnação, seus milagres, seus ensinos, sua morte expiatória, sua ressurreição, a Igreja, a sua segunda vinda, a nossa ressurreição e glorificação. Apontam para a conversão, para a piedade, para a santidade, para a missão. Como cristão afirmamos a autoridade das Sagradas Escrituras, e para a salvação pela Graça mediante a fé em Jesus Cristo, único caminho e não “um dos caminhos” ou “apenas o meu caminho”.

Sem essas fontes e esse conteúdo, o Anglicanismo perderia o seu núcleo central caracterizador, e deixaria de ser uma Igreja, virando uma mera sociedade religiosa.

Como temos reiteradamente afirmado, a questão central não é o homossexualismo (mera ponta do iceberg), mas essa questão de fundo, muito mais séria.

A Diocese do Recife, por seus Cânones Diocesanos e suas Resoluções Diocesanas, por seus textos confessionais “A Diocese do Recife e a Sua Doutrina”, pelos pronunciamentos do seu Bispo e do seu Clero, pelo ensino de seus ministérios, como o Cursilho, o Seminário de Vida no Espírito, ou o Curso Alfa, dentre outros, tem tido um posicionamento claro, cristalino, sobre essa dimensão confessional, teológica e espiritual da verdade emanada da herança apostólica. Tem sido reconhecida – nacional e internacionalmente – por isso, e, também, tem pago um preço por isso.

Tem tido a Diocese do Recife, também, um ensino ético claro? Somos uma das raras instituições religiosas no mundo (Anglicana ou não) a ter aprovado um documento do nível da “Ética, Santidade e Disciplina”, com mais de quatro mil exemplares distribuídos, e estudado em Seminários teológicos de outras denominações.

O caráter de Igreja para o Anglicanismo (e para a Diocese do Recife), por outro lado, pode também estar ameaçado por tendências típicas de seitas ou seitas estabelecidas, encontradas no nosso meio, ou no nosso entorno: a negação do direito à diversidade em aspectos secundários ou periféricos (inclusividade limitada), a negação a adiaforia: não pronunciamento ou não normatização em aspectos culturais, sociais, ou privados, ênfase em personalidades acima do institucional, etnocentrismo (ver a história e o mundo a partir do próprio tempo e lugar), imposição de visões oriundas de outras denominações ou de outros ministérios, nacionais ou forâneos.

E aí, temos que estar atentos para algumas lamentáveis distorções no Protestantismo: entender o livre exame como livre interpretação e não como livre acesso, presentismo-localismo (negação do consenso histórico e universal), restauracionismo, individualismo e purismo, cujo desastre está aí: a incontrolável divisão institucional.

Ou seja, todos nós estamos de acordo com a afirmação de que as Sagradas Escrituras são a fonte objetiva de verdade, em matéria de fé e vida. Dentre nós, os ortodoxos, não há o que se discutir. A questão é outra: quem interpreta o texto? Eu? O meu grupo? O meu movimento? Ou o consenso dos fiéis, em termos históricos e universais, como já apontados nesse texto? Eu? Meu grupo? Ou uma instituição histórica e mundial?

Vivi 18 anos de minha vida como fiel da Igreja de Roma, e 12 anos como fiel da Igreja Luterana (IELB). Estou a 33 anos na Igreja Anglicana. Há pontos de convergência e de divergência entre esses três segmentos da Cristandade. Não estou no Anglicanismo porque me converti nele, ou porque optei por ele por conveniência. Estou nele por opção, após estudo diligente. Esse não é um espaço perfeito, e, como pessoa e como pensador, tenho meus questionamentos. Mas, não entrei enganado, e tenho procurado participar dentro das regras do jogo (com gente atacando/ignorando essas regras, ou querendo fazer gol de mão...). Reconheço que a parte mais difícil é não abrir mão do núcleo central, e ter que conviver com diferenças no secundário e no adiáforo. Diferenças que eu, muitas vezes, gostaria de ver deslocadas do secundário e da adiaforia para o núcleo central...

Com todos os conflitos e martíria, esse é o meu lugar. Sinto-me honrado em viver o peso do Episcopado, e em fazer parte de uma frente mundial anglicana ortodoxa. Tenho aprendido muito com esses irmãos e irmãs de outros países, apenas não posso abrir mão de duas realidades que me são existencialmente marcantes: minha formação em Ciências Humanas e minha brasilidade.

Nesse processo que o Senhor da História nos reservou, vamos resistindo ao que poderia, ou de outra forma, nos tornar uma mera sociedade religiosa, uma seita ou uma seita estabelecida. Somos uma Igreja, parte daquele todo uno, santo, católico, apostólico e reformado, gerada pelo Senhor.

E que Ele nos dê convicção, discernimento, coragem e amor, sempre!

Paripueira (AL), 09 de dezembro de 2009.

+Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano

Secretaria Episcopal
Diocese do Recife - Comunhão Anglicana
Escritório Maceió - AL
(das 8h às 13h)

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